segunda-feira, 27 de junho de 2022

Maternidade e aborto: será que a vida vem em primeiro lugar?

Há um bom tempo que quero expor alguns pensamentos sobre isso, mas não é um assunto fácil para mim por diversas razões.
Quando eu era adolescente, assisti uma palestra contra o aborto num grupo de jovens em uma igreja que frequentava. Ironicamente, era um homem conduzindo a “conversa”. Ele exibiu alguns vídeos que mostravam procedimentos abortivos, onde claramente havia um grande sofrimento fetal. Ele dizia que o bebê lutava pela vida até o último instante, demonstrando o desejo natural de viver.

Eu ainda me lembro das imagens e da tristeza que senti vendo aquilo. Como jovens sendo imersos nesse tipo de orientação não vão se tornar adultos totalmenente contra o aborto?
Porém, após muitos anos de reflexão sobre o tema, entendi que não é bem assim.
Antes de tudo, homens deveriam ter um papel absurdamente menor nesse assunto. Na verdade, se querem lutar pela vida e direito das crianças, deveriam começar por medidas que reduzam o abandono parental. Trazer a discussão sobre a responsabilidade dos homens na criação e desenvolvimento dos filhos. Pois um dos motivos que levam mulheres a querer interromper uma gestação é a certeza de que estarão sozinhas nessa jornada.

Outra coisa que consegui desmistificar foi essa suposta luta pela vida do feto.

Quando fiz a primeira ultrassonografia da Clarice, minha filha caçula, saí da clínica chorando. O que era pra ser um momento de alegria se transformou em angústia, pois com 7 semanas de gestação, não foi possível ver um embrião em minha barriga, onde eu acreditava que já tinha um bebê. A médica que fazia o exame, apenas me disse que era comum gestações anembrionárias e que eu deveria refazer o exame em 1 ou duas semanas para ter certeza se o embrião se formou. Até aquele momento, eu nem sabia exatamente o que era esse tipo de gravidez.
As semanas seguintes, foram de tristeza e muita pesquisa sobre o assunto no dr. Google. Li muitos relatos de mulheres que tiveram esse tipo de gestação. Algumas abortaram espontaneamente, outras tiveram algumas complicações como gestação ectópica. Além dos efeitos emocionais que todas passam.
Sabem o que todas essas mulheres escutam quando falam de suas tristezas por não levar a gravidez adiante?
“Logo vem outro” “Vai ficar chorando por um bebê que nem viu?” “Encomenda outro logo que a tristeza passa.” E várias outras coisas do gênero.
Eu também ouvi coisas do tipo quando falava sobre minha angústia diante da dúvida se tinha um bebê se formando naquele momento.
Diante disso, eu pergunto: a preocupação com o sofrimento fetal é realmente uma valorização da vida ou uma tentativa de controle sobre as gestantes?
Mas a questão é muito mais complexa.
Ao contrário do que muita gente pensa, uma gravidez não é só benção para mulheres. Nossos corpos são totalmente transformados, desenvolvemos sintomas e alguns problemas que ainda não tem explicação, tratamento 100% eficaz ou mesmo eliminação de riscos. E ainda que corra tudo bem, nunca mais seremos as mesmas. Corpos, mentes e psique serão pra sempre marcados pela chegada de cada filho, ainda que seja desejado, aceito e muito amado.
É por isso que quem deveria ter total autonomia para decidir se quer ter o filho é a mulher que está passando pelo processo único. Não importa se ela é casada, solteira, jovem, velha ou já tem filhos.

Ahhh mas e o direto do bebê? Alguns dizem.

Eu já tive essa preocupação também. Eu entendo, assim que pensamos numa gestação, a imagem que nos vem à mente é de um bebê, quase sempre fofinho e cheiroso. Porém, só com 10 semanas de gestação há um feto formado. E esse feto só poderá sobreviver fora da barriga da mãe após cerca de 25 semanas. E o possível sofrimento que esse feto possa ter antes disso, pode ser eliminado com uso de anestésicos.
Mas é importante saber que muitos estudos indicam que o feto não sente dor até 24 semanas, outros falam em 30 e pouquíssimos falam de sensações de sofrimento antes disso.
Seria maravilhoso se nenhuma mulher precisasse passar por isso. Se pudéssemos engravidar em condições desejáveis, mas a realidade é outra. Nenhum método anticoncepcional é 100% garantido e, além disso, a responsabilidade por evitar uma gravidez indesejada está quase toda com a mulher.

Eu queria compartilhar algumas histórias que conheço, mas o assunto é tão delicado que nem falar abertamente sobre ele a gente pode. Mas passar por um aborto não é fácil e tranquilo para ninguém. Uma mulher que toma essa decisão sofre e precisa de apoio, não de julgamento e condenação.

Não é à toa que em países onde o procedimento é legalizado, o número de abortos reduz com o passar dos anos.


Enquanto quem tem um pouco de recurso e apoio consegue interromper a gravidez com um certo grau de segurança, mulheres pobres colocam suas vidas em risco diante do desespero da gestação indesejada. A proibição não impede que o aborto aconteça, só mata mulheres.
Para mim, é claro que a discussão sobre a legalização do aborto não é uma preocupação com a vida do bebê muito menos com a da mãe. Na maioria das vezes, é só uma tentativa de impor suas crenças e mitos sobre os outros. Há ainda uma parcela de dominação sobre o direito da mulher.


E por fim, penso que é importante lembrar que você pode ser totalmente contra o aborto e não fazê-lo de forma alguma, porém isso não deveria tirar o direto de quem vê nessa alternativa um futuro menos sofrido do que levar adiante uma gestação não desejada.