domingo, 17 de julho de 2022

Deixe-me sentir





Antes de tudo, quero deixar claro que esse texto, em hipótese alguma, sugere interrupção ou mesmo alteração de qualquer tipo de tratamento médico ou terapêutico. 

É apenas um resumo das minhas reflexões e experiências individuais. 


O mundo é cruel com pessoas  fora da média. Não importa qual seja o aspecto: pode ser físico, emocional, social etc. Se em algum deles, você estiver fora do padrão, sofrerá pressão para se adequar.  

Quando o assunto é emocional, a pressão começa bem cedo. Desde que nascemos, somos condicionados a a nos encaixar num padrão de comportamento bem mediano. A sociedade não aprova comportamentos excêntricos de crianças. 

Bebês devem chorar, mas se for demais tem algo errado. As crianças podem brincar, pular e correr, mas se for exagerado, é sinal de alerta, melhor investigar. Espera-se que seja comunicativa, mas se falar demais pode ser um problema. 

 Assim, vão surgindo rótulos, nomes diversos  para designar perfis de pessoas que estão fora do que o mundo  considera aceitável. 


Em consequência , uma boa parte das pessoas  que está  fora da média, que não se encaixa naturalmente no que     é classificado como equilibrio emocional,  cresce tentando se encaixar. 

É comum que pessoas mais sensíveis aprendam   a suprimir as emoções para estar ajustadas ao padrão de comportamento esperado, mas isso tem um custo alto. 

 Essa repressão de sentimentos e emoções, dificilmente,  se sustenta a vida toda. Uma hora vem tudo a tona, como uma avalanche, e arrebenta a porta que parecia selada.  E quando isso acontece, mais uma vez, vem os rótulos e  a necessidade de tentar calar os sentimentos. 

Na ânsia de ter uma vida, minimamente, funcional, buscamos formas de extravasar: comida, álcool, drogas, compras, e  uma infinidade de excessos são usadas como válvulas de escape para  equilibrar nossas emoções. E quando esses recursos  já não são suficientes, ou viram outro problema,  nos vemos obrigadas a recorrer à tratamentos diversos, de preferência com resultado rápido, afinal quem é que pode ficar fora do eixo por muito tempo?

 E assim,  cada vez mais normalizamos o uso de medicamentos que controlam a mente e as emoções. 

Você no controle da sua vida, eles dizem 


Eu fui uma criança fora desse padrão. Me chamavam de chorona, chata, esquisita e tantas outras  coisas que faziam com que   me sentisse desajustada e deslocada. 
Com o tempo, aprendi a segurar o choro, a não me expressar demais, mas ao mesmo tempo interagir com as pessoas como se fosse algo natural e necessário. Mas manter esse controle nunca foi fácil. Sempre gastei muito tempo e energia tentando aprimorar minhas habilidade socio-emocioanis. 


Desenvolvi um processo de análise das inúmeras possibilidades de diálogos e como responder a cada um deles diante de uma nova interação social. E após toda experiência, passava um bom tempo analisando tudo que saiu fora do meu script,  como eu reagi e tudo que poderia ter feito diferente. É algo tão exaustivo que perdi as contas de quantas vezes evitei situações de convívio social para não ter que executar esse procedimento. 


Mas eu fui seguindo, sobrevivendo como pude, aparentemente saudável e bem ajustada ao mundo em que vivia. Mas em algum momento, a conta chega. O corpo começa dar sinais. A mente grita até desistir e desabar.  Em um determinado momento   percebi que precisava de suporte profissional. Procurei um psiquiatra e desde a primeira consulta me prescreveram um medicamento para me reconfigurar. 

Mas não queria saber só o equilíbrio químico, precisava  ir além. Busquei  ajuda para entender a raiz do problema. Encarei os traumas que pareciam superados. Reabri feridas que pareciam curadas. 

Esse foi, e ainda é, um processo doloroso, mas que me trouxe muita clareza e auto-conhecimento.  

 Comecei a perceber que a vida toda busquei me enquadrar. Aos poucos, entendi que na  ânsia de me sentir parte de  grupos, de não me sentir deslocada ou estranha vivi muito tempo  sem saber quem eu sou, o que de fato me faz feliz e como me sinto bem.  Suprimi minhas emoções e desejos para me sentir "normal". 

Eu tenho plena consciência da importância da medicação para reestabelecer o equilibrio mental. Sou grata por ter encontrado um médico que me ouviu e me respeitou. Mas não posso deixar de refletir no impacto que isso tem. 

Os médicos, em geral, seguem protocolos. Mesmo aqueles que olham o paciente com atenção tem um processo mais ou menos padronizado. 
Ao longo desse processo, me consultei com 3 ou 4 psiquiatras. Me chamou a atenção que, mesmo relatando coisas diferentes, eles me faziam perguntas muito semelhantes. Sugeriam coisas similares. 

Mas será que é eficaz tratar pessoas dessa forma? Não quero criticar o uso de medicamentos, porém me pergunto se seria possível agir para que eles não sejam tão necessários.  

Os remédios são cada vez mais usados. Se há alguns anos pessoas que usavam medicamentos controlados eram estereotipadas, hoje em dia é difícil encontrar alguém que nunca tenha  usado alguma substância neuropsiquiátrica, nem que seja por um período curto. 

E a industria farmacêutica investe cada vez mais, pois sabe que é um mercado vasto. Há de tudo nas farmácias: fórmulas para acabar com a tristeza, para reduzir a ansiedade, para controlar os impulsos, para dar ânimo e uma infinidade de outras coisas  que tem um objetivo comum: suprimir sentimentos e emoções. 

Eu reconheço que a medicação foi necessária e importante para que eu pudesse reagir a uma fase extremamente difícil. Mas hoje, ja em processo de retirada dele, percebo que não adianta tomar substâncias que inibem algumas emoções, se não houver um trabalho conjunto  para achar a raiz do problema. 
Os remédios sozinhos calam as emoções e controlam a mente, mas a cura verdadeira vem quando aprendemos a nos respeitar e aceitar quem somos.  

 Acreditei por muito tempo que o choro é sinal de fraqueza, que não é normal preferir o silencio de vez em quando, que é preciso sorrir quase o tempo todo, que se expressar abertamente é ser chata. 

Tentar conter minha natureza fez com que eu me perdesse de mim mesma. 

Agora estou num processo de respeitar quem eu sou e parar de tentar me encaixar. 

Não quero mais suprimir nenhum sentimento, ainda que pareça algo negativo.
 Pelo contrário,  quero poder sentir a tristeza se ela chegar, pois sei que não se pode ser feliz o tempo todo. Quero sorrir quando tiver vontade e não para disfarçar um desconforto. Quero expor as minhas ideias para quem gosta de conversar comigo e quando preferir, ficar em silêncio sem me sentir esquisita. 

Enfim, quero receber qualquer sentimento sabendo que nenhum deles será para sempre e não há necessidade de buscar recursos externos para lidar com eles. Ao contrário, quero conseguir olhar para dentro de mim e  identificar a raiz de cada um deles e aprender a não me deixar abalar mais tão facilmente. 

As vezes dói olhar para trás e imaginar como eu seria se eu nunca tivesse buscado estar dentro do padrão. 
Em alguns momentos  me pergunto:  como teria sido minha vida se não precisasse me moldar e controlar o tempo todo para atender  expectativas alheias? Como eu seria hoje se tivesse sido emocionalmente respeitada? 


Nunca terei respostas para essas perguntas. Seria ótimo poder voltar no tempo e dizer para aquela garotinha assustada e insegura: pode chorar! 




Infelizmente, isso não é possível. Porém, posso olhar para frente e não repetir os mesmos erros. Posso quebrar o ciclo de tentar me moldar ao mundo.  

 Cada vez mais tento me respeitar, reconhecer meus limites e os ambientes onde posso ficar a vontade. Não espero que a sociedade,  ou grupos e pessoas específicas, me aceitem.  

Hoje, me dou o direito de me retirar de onde  não estiver a vontade.

Acho ingênuos certos manifestos que vejo por aí clamando por normalização das mais variadas coisas.  É ingênuo porque qualquer normalização vai excluir os que estão fora da média. Além disso, por que esperar que os outros nos aceitem ao invés de entender que ninguém se encaixa em todos os lugares? 

Para mim, faz mais sentido aceitar quem somos e respeitar as diferenças e nossos limites. 

Eu não posso mudar o mundo, tampouco as pessoas, mas posso mudar a maneira como me enxergo e lido com as situações. E hoje, entendo que esse é o caminho para o bem estar.

Modificando uma frase, que erroneamente é atribuída a Frida, eu diria:

Onde não puderes ser quem és não te demores.