quinta-feira, 26 de março de 2015

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Vão-se os anéis, ficam-se os dedos. Se você já foi vítima de algum tipo de violência, muito provavelmente, ouviu esse ditado de alguém como tentativa de consolo. O problema é que não somos feitos só de "dedos".
Ano passado, após 12 anos morando no Rio de Janeiro, vivenciei meu primeiro assalto. Há alguns anos, durante uma conversa com um grupo de colegas que relatavam suas experiências de assaltos ou pelo menos tentativas,  ao ouvir que eu ainda não tinha sido nem sequer abordada por um assaltante, um deles me disse: "qualquer dia desses alguém vai te abordar na rua e dizer - senhora, vim corrigir essa falha estatística na sua vida, isso é um assalto". Naquele momento achei graça e apenas ri. Porém aquela frase ecoou em minha cabeça por muito tempo. Realmente parecia que de todos meus conhecidos eu era a única que nunca tinha vivido essa experiência tão comum na cidade maravilhosa. Até que meu dia chegou, porém os assaltantes não foram tão educados ou divertidos quanto meu colega imaginou.

Antes desse dia, sempre que conversava com alguma vítima da violência urbana me vinha a mente esse ditado tão comum. Era difícil entender como tanta gente, mesmo tendo saído ileso, continuava assustado, revoltado e com medo. Depois desse dia fatídico passei a entender como, mesmo não perdendo nenhum dedo é possível ficar traumatizado após minutos de medo. Até hoje, após mais de 6 meses, ainda tenho receio de andar sozinha na rua, principalmente onde fui assaltada, ao passar por lá ainda sinto palpitação, tremor e um suor frio escorre pelo corpo.
Sempre que se discute a criminalidade urbana dois pólos se formam: de um lado os que entendem que a violência urbana é fruto do modelo sócio econômico que vivemos, e por isso é preciso atacar as raízes do problema; e do outro aqueles que querem penas mais rigorosas para delinquentes, que normalmente diz direitos humanos é para humanos direitos. Eu sempre estive no primeiro grupo. 
É muito comum ouvir pessoas dizendo " tá com pena leva pra casa" quando alguém sugere tratar com dignidade os infratores, especialmente os menores de idade. A coisa mais difícil quando se convive em grupo é separar as emoções da razão. Então, quando alguém é vítima da violência, ou teme ser, tende a agir e argumentar baseado em suas emoções. Geralmente, estão em  um frenesi de raiva, revolta, sensação de impotência e medo. Eu passei por isso depois de ser assaltada e hoje entendo porque tanta gente tem um discurso tão intolerante quando o assunto é violência urbana. Porém, busquei separar as emoções da razão para continuar vendo que as pessoas que invadiram minha vida, tirando minha paz e me fazendo temer ainda mais andar pelas  ruas do Rio de Janeiro, são tão vítimas, ou até mais, do que eu. A diferença é que eu fui vítima de dois indivíduos, enquanto eles são reféns da sociedade. Tiveram suas vidas invadidas desde que nasceram. Cresceram à margem de uma sociedade excludente, que gera seus próprios malfeitores, e quando a situação tende a ficar fora de controle quer tratar o problema como se fosse um tumor a ser exterminado. 

Quando nos deixamos levar pelas emoções buscamos vingança e não justiça. Alguns dias depois de ter feito o boletim de ocorrência do meu assalto recebi um email da delegacia com alguns suspeitos para que eu identificasse. Reconheci alguns rostos, porém não eram as pessoas que  assaltaram, eram alguns moradores de rua que circulam pela região em que moro. Coincidência ou não, nunca os vi abordando ninguém, nem mesmo para pedir dinheiro, muito menos para assaltar. Porém, foram classificados como suspeitos. Fiquei pesando, e se eu quisesse me sentir vingada e apontasse dois deles como sendo as pessoas que me assaltaram? Será que eles teriam direito à defesa? Seriam tratados com justiça? Duvido. Seria a palavra de uma "cidadã de bem" que paga impostos e contribui para sociedade contra a de um marginal, alguém que é visto como a escória da sociedade.  
Os marginais que assolam nossa sociedade sabem muito bem que suas vidas valem menos do que os objetos que eles roubam, por isso se arriscam sem pudor. Para nós, "cidadãos de bem" parece que eles estão cada vez mais audaciosos, que não respeitam a vida de ninguém e são capazes de matar alguém em troca de um celular ou os trocados que carregamos no bolso. Entretanto, como esperar respeito de quem não sabe o que é ser respeitado? 
É claro que nada disso justifica que alguém cometa um crime. Sempre há uma alternativa, vira e mexe alguém contraria todas as expectativas e segue um caminho considerado "do bem" para a sociedade, porém não é atoa que essas pessoas viram destaques na mídia, pois não é o que se espera delas. A vida é feita de escolhas, e todos em algum momento escolhemos mal, a diferença é o impacto e as consequências de nossas escolhas. 

Antes de julgar e condenar é preciso exercitar a alteridade. Ou seja, colocar-se no lugar do outro, não apenas com o intuito de avaliar uma ação isolada, mas procurando entender o contexto em que a pessoa se desenvolveu. É muito fácil olhar um assaltante de dizer que jamais faria isso. Porém, será que se estivesse sujeito as mesmas condições de vida daquele sujeito você jamais cometeria um contravenção?

Não podemos ignorar que temos um problema grave, enquanto a violência cresce aqueles que sofrem com ela se sentem desamparados pelo poder público, não há segurança, não há apoio para vítimas, não há nada que as faça acreditar que é possível mudar, que é possível recuperar os indivíduos que perturbam a ordem social. Então nos deixamos levar pela raiva medo e revolta, acreditando que estamos clamando por justiça gritamos por vingança, sem perceber que estamos vivendo um círculo vicioso, do qual não sairemos sem uma mudança profunda em nossa sociedade.  Não adiantará penas mais severas justiceiros pelas ruas. Enquanto não construirmos uma sociedade onde qualquer vida valha mais que um celular, independente se é rico ou pobre, preto ou branco, jovem ou velho. Enquanto não houver dignidade e respeito para  todos. Continuaremos vivendo essa disputa entre marginais e cidadãos de bem, sem perceber que somos todos vítimas do mesmo mal. Até que essa mudança ocorra e surta efeitos só resta agradecer por terem ido os anéis, mas ao menos terem ficado os dedos. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Quem quer impeachment?

Quando era criança meu pai sempre me dizia que se eu continuasse assistindo muita TV ficaria alienada, viraria massa de manobra, seria mais um boi na boiada seguindo o berrante de quem domina o mundo. Inicialmente, eu não entendia o que ele dizia, quando passei a compreender fiquei muito irritada, pois achava que ele estava me chamando de imbecil, que não tinha capacidade de pensar.  
Hoje vejo que o problema não é especificamente a TV, é se deixar levar pela opinião dos outros, independente de qual seja o veículo de comunicação. 

Muita gente costuma dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, entretanto essa frase deveria ser "uma imagem engana mais do que mil palavras". Me lembro de uma propaganda da Sprite que mostrava uma imagem linda, de um líquido verde caindo com tanta suavidade e beleza que,  mesmo sem saber o que era, dava vontade de experimentar. Porém o líquido era óleo de rícino, e a propaganda dizia "imagem não é nada, sede é tudo, beba Sprite". Essa propaganda exemplifica bem como podemos ser enganados por uma imagem. E os veículos de comunicação e pessoas que tentam manipular multidões sabem muito bem disso. 

Na era da internet a desinformação é gritante. Me impressiona ver como as pessoas compartilham qualquer imagem ou vídeo carregados de falsas informações sem ao menos criticar se tudo aquilo é verdade. Entendo que muita gente vive imersa em compromissos, trabalho, casa, família, amigos tomam tanto do nosso tempo que não dá pra ficar verificando tudo que se recebe por email, facebook etc. Ao final, muitos só têm tempo para entender e se atualizar sobre o que se passa no mundo através  de  telejornais e acompanhar notícias pelas redes sociais. Então quase ninguém para pra pensar que as grandes emissoras de tv, rádio e jornal são empresas que visam lucro e tem interesses muito bem definidos. Também fica difícil imaginar que por trás das imagens que circulam pela internet há pessoas com propósitos articulados, tentando angariar seguidores. Por exemplo, a emissora de maior audiência no Brasil é acusada de sonegar mais de 600 milhões de reais. Não é preciso pensar muito para concluir que ela jamais noticiaria isso. 
Observando a atitude das pessoas que saíram às ruas no último domingo gritando impeachment, fico pensado será que elas sabem a quem estão servindo?

Muitos acreditam que toda essa mobilização surgiu espontaneamente entre o povo que está cansado de tanta corrupção, que não aguenta mais a situação que o Brasil se encontra. Acham que a população está apenas mostrando sua insatisfação e exercendo seu direito democrático de protestar. Porém, diversos veículos internacionais atribuem a grande manifestação a três grupos, que embora se declarem apartidários têm pontos muito definidos. Eis aqui uma excelente matéria feita pelo jornal espanhol El País. Nessas horas é que faz sentido o que meu pais dizia.

Curiosamente, os grandes veículos de comunicação brasileiros pouco disseram sobre a formação ou intenção desses grupos. Fazendo uma busca pela internet é possível encontrar denúncias de blogueiros e mídias alternativas sobre os líderes desses movimentos. Para quem não tem medo de ler coisas fora da grande mídia eis um texto resumindo o perfil dos administradores do "revoltados online".


Há algum tempo eu seguia a página "revoltados online" no facebook, acho que cheguei a compartilhar algumas de suas publicações. Deixei de "curtir" a página quando vi conteúdo  que disseminava ódio contra homossexuais e rebaixamento de mulheres. Naquela época a página não tinha tanta influência quanto hoje. Me lembro de ter visto durante as manifestações de 2013 uma foto na página deles de um grupo de poucas pessoas segurando uma faixa na praia que dizia " saímos da internet e estamos na rua, investiguem o líder da quadrilha petralha". Nem sei se foram eles que cunharam o termo "petralha ", mas foi através deles que tomei conhecimento desse trocadilho. Quando vi recentemente a proporção que chegou a influência desse grupo fiquei assustada. É difícil acreditar que tanta gente compartilhe das idéias fascistas e retrógradas desse grupo.

Outra coisa que me chamou atenção sobre esse grupo foi descobrir que eles transformaram o "movimento popular" em um negócio. Novamente nossa mídia não menciona esse detalhe sobre os líderes da "maior manifestação democrática do Brasil", mas o El País, mais uma vez, não deixou passar. Confira aqui. 

O grupo chamado "Movimento Brasil Livre" é mais recente do que o "revoltados on line", mas não menos polêmico. Há suspeitas de que eles recebem dinheiro de petroleiras internacionais. Além disso, apesar de se declararem apartidários em entrevistas concedidas recentemente disseram que iniciaram o movimento para fortalecer a campanha do Aécio. 

Não bastasse o oportunismo desses grupos, os  líderes de dois dos três movimentos que lideram os clamor pelo impeachment da presidente Dilma (que foi eleita democraticamente) pretendem entregar o pedido ao Eduardo Cunha.  Se a maior reivindicação dos manifestantes é o fim da corrupção, oras, então porque procurar como representante um político que, entre outras suspeitas, está sendo investigado na operação lava-jato?  Há, no mínimo, uma grande incoerência nessa história.  

Ainda que alguns achem que não são influenciados por esses grupos, pois não seguem suas páginas tampouco doam dinheiro para suas campanhas, não se enganem. Muitas das imagens e textos que chegam com uma enxurrada de informações para vocês através internet partem desses movimentos ou de grupos adjacentes. 

Ser contra a corrupção é ótimo, lutar por uma sociedade melhor é maravilhoso, mas é preciso abrir bem os olhos para não ser feito de massa de manobra. Eu não acredito que a maioria das pessoas que saiu às ruas no último domingo quer a volta da ditadura ou retrocesso social quanto aos direitos femininos e das minorias, prefiro pensar que, infelizmente, muitos estão enganados por esses manipuladores, que falam e agem como se fosse pelo povo, mas na verdade buscam benefício próprio. 

Para criar um senso crítico e ter opinião própria é preciso investir tempo em informação e conhecimento, é preciso refletir e questionar até mesmo o que parece óbvio. Enquanto isso não fizer parte de nossa rotina, continuaremos correndo o risco de sermos usados por aqueles que sabem muito bem o que estão fazendo. A intenção da maioria pode até ser boa, mas, como diz o ditado, de boa intenção o inferno tá cheio.  

quinta-feira, 12 de março de 2015

Vamos embora pra Pasárgada?

Me lembro da primeira vez que li o poema de Manuel Bandeira “Vou-me Embora pra Pasárgada”, fiquei um tempo imaginando como seria aquela terra onde, sendo amigo do rei, você poderia ter tudo o que quer.  Quando a professora pediu que escrevêssemos como seria nossa Pasárgada cada um idealizou a sua com elementos que compõe a utopia de um paraíso, com a garantia de sua própria felicidade. 

Recentemente li uma declaração de um jornalista famoso e polêmico se queixando de uma professora da filha dele, que teria criticado o político que ele defende e a revista onde ele trabalha.  Furioso, ele disse que em breve livraria a filha desse tipo de professora, pois está de mudança para os EUA. 

Desde o último período eleitoral tenho visto muita gente com um desejo forte de ir embora do Brasil. Normalmente, essas pessoas querem se ver livres dessa terra onde não conseguem ter o querem ou fazer prevalecer suas vontades, então passam a procurar suas Pasárgadas, onde todos os problemas da terra tupiniquim não existem, onde elas esperam ter a vida que sonham. 

Acho muito saudável morar em um outro país, a diferença cultural e social enriquece a formação e amadurecimento do ser humano.  Conheço algumas pessoas que foram morar fora e outras que decidiram adotar o Brasil como lar. Sempre que converso com essas pessoas sobre como é viver em um outro país percebo que há um consenso: há perdas e ganhos, não existe um lugar perfeito. 

O que chama atenção na atitude do tal jornalista, e de muitos outros que gritam em coro que vão embora do Brasil, é a motivação que eles têm. Insatisfeitos com a atual situação política, social e econômica e sem poder impor suas vontades e ideias para um Brasil melhor, essas pessoas sonham com a Pasárgada de Manuel Bandeira.  É curioso pensar que tanta gente acredita que nos EUA as pessoas são livres. Cada vez que passo por lá fico mais convencida de que o conceito de liberdade dos americanos é uma ilusão. A sociedade é bem organizada e funcional, porém isso é fruto de um controle acirrado que tolhe a liberdade. Recentemente, um colega me chamou a atenção para uma placa em um mall a placa dizia "loitering forbidden". Já havia visto essa frase em outros lugares , mas como não conhecia a palavra loitering sempre a ignorei. De acordo com o dicionário essa palavra significa ficar parado ou esperando sem razão aparente. Fiquei impressionada de haver uma palavra para definir isso, mais chocada ainda de pensar que em um local "público" você não poder estar parado esperando alguém, pois é difícil imaginar como alguém aparentaria uma razão para esperar. Esse é só um exemplo de coisas que fazem acreditar que a sociedade americana não vive em liberdade, ela funciona, mas a um alto preço.

É verdade que a sociedade brasileira ainda tem muitos problemas que não encontramos com tanta evidência em outros países. Porém, não podemos ignorar que a história de formação e evolução desses países foi bem diferente da nossa. Se hoje eles tem uma sociedade com poucos problemas sociais, certamente isso não foi construído em 50 anos. Além disso, é notório como em outros países a população, sobretudo a parcela mais esclarecida, tem um compromisso com a terra onde vive, contribuindo para o desenvolvimento e preservação da sociedade a qual faz parte. Infelizmente, isso não é tão comum aqui no Brasil. 

Não consigo observar o comportamento de pessoas como esse jornalista e não associar aos colonizadores e exploradores do passado, que após terem sugado de nossas terras tudo quanto puderam foram embora com os bolsos cheios, deixando um rastro de asco e repúdio. Certamente, mesmo vivendo lá na terra do tio Sam ele continuará enriquecendo às custas dos brasileiros que cultuam seus ensinamentos e sonham em se juntar a ele. 

Lamentavelmente, essas pessoas não querem um Brasil justo, desenvolvido. Na verdade o que buscam é um lugar onde os problemas fiquem camuflados ou afastados para bem longe, se possível do outro lado do oceano, para que os amigos do rei possam viver livres. É triste pensar que muitos são iludidos com a ideia do paraíso assim como Pasárgada era para o poeta. São induzidos por discursos inflamados de formadores de opinião tal qual o jornalista referenciado aqui. Muitos aceitariam até abdicar de suas competências intelectuais para exercerem funções que os amigos do rei não querem executar, desde que possam viver na Pasárgada da elite.

Prefiro acreditar que é possível  construir uma Pasárgada brasileira, realmente livre e justa. Onde a alegria seja geral e todos se sintam incluídos como amigos do rei.
 Essa Pasárgada pode ser construída. Para isso o povo precisa ter orgulho de viver aqui. É necessário desconstruir antagonismos entre ricos e pobres, acabar com o oportunismo que ainda impera por aqui, ter compromisso com o coletivo acima do individual. O caminho é longo, mas juntos podemos chegar lá. E então, vamos embora pra Pasárgada?  


  









quarta-feira, 11 de março de 2015

Como educar um filho para não ser machista

Ainda falando sobre machismo, hoje ouvi uma mulher mais nova do que eu dizer que  mesmo não sendo casada ela sabe que se quiser manter o casamento a mulher tem que se esforçar para atender a demanda sexual do marido. Enquanto a ouvia falar essa e outras coisas, fiquei pensando como pode uma pessoa na idade dela ter esse tipo de ideia?

Não acredito que alguém nasça machista, ou com qualquer tipo de preconceito. Toda criança é curiosa por natureza, se encanta com tudo e não estranha nada, não é a toa que os pais estão sempre vigiando os filhos para evitar que eles coloquem sujeira na boca, o dedo na tomada ou dê atenção a estranhos. Então, quando e como aprendemos a por rótulos nas pessoas e nas relações?

Sempre fui muito preocupada com que tipo de pessoa meu filho será. Certa vez, quando ele tinha 4 ou 5 anos, ao me ver lavando uma peça de roupa dele, ele me disse: "ainda bem que sou homem, quando eu tiver um filho não vou ter que lavar a roupa suja dele". Aquela declaração foi um golpe duro para mim. Depois de gastar um bom tempo explicando para ele que a responsabilidade pelo cuidados dos filhos é tanto do pai quanto da mãe, fiquei refletindo sobre como ele criou aquela ideia. Certamente, nem o pai muito menos eu  ensinamos isso a ele diretamente.  Porém, acreditando que educação vem de casa, passei a refletir quantas outras atitudes minhas estariam contribuindo para a formação  machista do meu filho.

Criar uma criança sem mimá-la é muito difícil.  Nossa tendência é sempre querer proteger, cuidar e fazer com que nossos pequenos se sintam felizes. Em geral, a mãe cumpre melhor esse papel, e muitas vezes, entre um cuidado e outro, ou excesso de afeto, sem perceber contribui para a formação do caráter machista. Recentemente, li um texto muito bom sobre lições para criar uma filha não machista. Inspirada nele resolvi listar algumas coisas que tento e pretendo ensinar ao meu filho.


  1. Sua mãe sou eu, se deixei você mimado não espere encontrar alguém que dará continuidade a esse trabalho. Então aprenda a preparar as coisas que gosta de comer, a cuidar da sua roupa, de seus objetos pessoais. Procure alguém com quem você goste de conviver e não que aceite ser sua serviçal. 
  2. A responsabilidade de manter limpo e organizado o ambiente onde você vive é tão sua quanto de qualquer pessoa que viva com você. Portanto, nunca pense que está ajudando com os afazeres domésticos. 
  3. Flores, bombons, presentes são ótimos quando são apenas um gesto de carinho. Quando fizer algo errado peça desculpas e se esforce para não repetir. Não subestime o caráter de alguém, achando que coisas podem substituir atitudes.
  4. Não é não. Ninguém precisa justificar o fato de querer ficar sozinho ou não estar a fim de atender seus desejos físicos. Saiba  ouvir não sem sofrer e levar pro lado pessoal, é melhor pra você e para quem convive contigo.
  5. Não ria ou faça piadas que descrevam mulheres como inferiores, burras ou interesseiras, esse tipo de atitude caracteriza misoginia, e espero do fundo do meu coração que você não vai se tornar misógino. Nessas horas pensem em sua mãe, avós e tias que você verá que não tem graça ouvir alguém desrespeitando as mulheres de sua vida. 
  6. Quando uma mulher te chamar atenção pela forma como está vestida não pense que ela está se oferecendo ou esperando uma cantada. 
  7. A aparência física pode encher os olhos e disparar seus hormônios, mas não se iluda, isso não representa absolutamente nada sobre o caráter e personalidade de alguém. 
  8. Se você engravidar uma mulher respeite as decisões dela sobre como proceder com a gravidez. Opine, converse, se envolva, mas tenha sempre em mente que o corpo pertence à mulher, então a palavra final deve ser dela.
  9. Quando tiver filhos mantenha sempre em mente que a responsabilidade pela criação deles é tanto sua quanto da mãe. E isso envolve trocar fraldas, dar banhos,  perder horas de sono acalmando o  bebê e tudo mais que que seu filho venha precisar. Compartilhando todas as tarefas, além de ser um bom companheiro você também será um ótimo pai e nunca irá se arrepender disso.
  10. Não tente cativar alguém com objetos ou mentiras. Não há falsidade que nunca se revele e bens materiais não garantem alegria. Se você quiser ter alguém seja honesto e transparente, só assim poderá ter certeza que qualquer demonstração de afeto é desinteressado e genuíno.
  11. Se quiser manter um relacionamento sadio e feliz trate a pessoa com quem está envolvido da mesma forma que você quer ser tratado. Não existe relacionamento duradouro sem reciprocidade.
  12. Ao longo de sua vida, certamente, você ouvirá coisas semelhantes de outras mulheres, mas espero que sabendo o quão importante esses conceitos são para sua mãe você se esforce para colocá-los em prática.



domingo, 8 de março de 2015

Coisa de Mulher

Há tempo que venho pensando em escrever um blog. Meu objetivo é ter um espaço para organizar e expor minhas ideias. Aproveitando o dia internacional da mulher resolvi iniciar essa empreitada com um assunto que me acompanha desde criança. 

Eu ainda tenho um certo receio de me declarar feminista, embora muita gente que convive comigo me ache uma feminista ferrenha e desde cedo me identifico com a luta pela liberdade feminina.  Me lembro dos inúmeros sermões que ouvi quando era criança dos meus pais e algumas tias que queriam me convencer que eu, sendo menina, tinha que aprender e ajudar minha mãe com os afazeres domésticos. Minha resposta era sempre a mesma: vou ajudar se meu irmão ajudar também. E a réplica era também sempre muito parecida: "mas ele é homem".  Esse tipo de resposta só me fazia sentir raiva por ser menina e dizer que nunca iria me casar.

Cresci, me casei e sou mãe. Com o tempo aprendi que homens e mulheres são diferentes, mas isso não pode determinar o que cada um pode ou deve fazer, muito menos que um é menos capaz ou subordinado ao outro. 

Hoje, trabalho em uma área predominada pelo sexo masculino. De tempos em tempos viajo a trabalho e sempre tenho que responder perguntas do tipo "seu marido não se incomoda por você viajar tanto?" "Quem cuida do seu filho enquanto você está fora?" Curiosamente, não vejo nenhum dos meus colegas respondendo a esse tipo de pergunta, embora a maioria deles é casada e tem filhos. Para piorar a situação, muitas vezes ouço esse tipo de questionamento de outras mulheres, algumas que já chegaram a me dizer que sou uma mãe muito "desprendida" por conseguir viajar e deixar meu filho em casa. A verdade é que a sociedade ainda espera que a mãe, mesmo trabalhando e contribuindo com o sustento da família, ainda seja a pessoa que se dedica prioritariamente aos filhos. Então, se o pai precisa viajar a trabalho é perfeitamente aceitável, mas se for a mãe passa a ser estranho, provavelmente comportamento de uma mãe relapsa.  Sou muito bem resolvida sobre a maneira como educo meu filho e participo da vida dele, mas não dá pra dizer que não me incomodo com o machismo que ainda domina nossa sociedade e tenta o tempo todo julgar minhas escolhas e atitudes. 

Porém, meu receio em me declarar feminista deve-se ao fato de achar que os movimentos mais ativos feministas caminham na direção errada. Estão sempre querendo forçar a sociedade a aceitar mudanças radicais no comportamento feminino e na relação homem-mulher, enquanto uma boa parte, pra não dizer a maioria, das mulheres não só aceitam os estereótipos machistas, como também julgam as que tentam fugir deles. Então, acredito que seria muito mais eficiente acabar com a competição entre as mulheres,  incentivando-as a respeitarem umas as outras e entender que nada nem ninguém pode determinar suas ações e escolhas.

É muito comum encontrar mulheres que se auto censuram para atender a expectativa de alguém ou da sociedade. Nem sei quantas vezes ouvi coisas do tipo "não corto meu cabelo, pois meu marido não deixa" "se eu sair com essa roupa meu marido me mata" "não bebo ou fumo em público para não parecer vulgar". Porém, ao mesmo tempo em que muitas se castram para serem bem vistas em casa ou na sociedade, elas julgam e desprezam aquelas que ousam buscar a liberdade de ser e fazer o que querem. Por outro lado, aquelas que não se submetem aos rótulos machistas condenam as que preferem o conforto de uma sociedade patriarcal. 

Ontem vi um grupo de mulheres vestindo uma camiseta com o símbolo do super man em rosa escrito "Mulher". Muito provavelmente era uma campanha pelo dia internacional da mulher. Aquela imagem me fez pensar que é exatamente isso que a sociedade atual espera de nós: Super Mulheres. Que trabalha para contribuir para o sustento do lar, mas também é a responsável pelos cuidados domésticos e dos filhos. E que além, disso está sempre bonita, arrumada e bem disposta. 

Então, acredito que só poderemos acabar com o machismo quando conscientizarmos as mulheres de que nada nem ninguém pode determinar suas escolhas e atitudes. E que se você decidiu ser dona de casa, professora ou astronauta, se quer mostrar ou cobrir corpo, exibir os pelos ou depilá-los faça isso por convicção pessoal e  não para atender a expectativa de alguém ou da sociedade.  Além disso, ninguém é melhor ou pior do que você por ter tido escolhas diferentes na vida. 
Não precisamos ser rivais, mas sim entender e respeitar as diferentes facetas femininas e nos unirmos para exigir o respeito e a liberdade que todas nós temos direito. 

Nesse dia internacional da mulher desejo que todas as mulheres aprendam a respeitar a si mesmas e umas as outras,  e que nossas escolhas sejam direcionadas a superar nossos próprios limites e não para atender à expectativa de alguém ou da sociedade.