terça-feira, 17 de março de 2015

Quem quer impeachment?

Quando era criança meu pai sempre me dizia que se eu continuasse assistindo muita TV ficaria alienada, viraria massa de manobra, seria mais um boi na boiada seguindo o berrante de quem domina o mundo. Inicialmente, eu não entendia o que ele dizia, quando passei a compreender fiquei muito irritada, pois achava que ele estava me chamando de imbecil, que não tinha capacidade de pensar.  
Hoje vejo que o problema não é especificamente a TV, é se deixar levar pela opinião dos outros, independente de qual seja o veículo de comunicação. 

Muita gente costuma dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, entretanto essa frase deveria ser "uma imagem engana mais do que mil palavras". Me lembro de uma propaganda da Sprite que mostrava uma imagem linda, de um líquido verde caindo com tanta suavidade e beleza que,  mesmo sem saber o que era, dava vontade de experimentar. Porém o líquido era óleo de rícino, e a propaganda dizia "imagem não é nada, sede é tudo, beba Sprite". Essa propaganda exemplifica bem como podemos ser enganados por uma imagem. E os veículos de comunicação e pessoas que tentam manipular multidões sabem muito bem disso. 

Na era da internet a desinformação é gritante. Me impressiona ver como as pessoas compartilham qualquer imagem ou vídeo carregados de falsas informações sem ao menos criticar se tudo aquilo é verdade. Entendo que muita gente vive imersa em compromissos, trabalho, casa, família, amigos tomam tanto do nosso tempo que não dá pra ficar verificando tudo que se recebe por email, facebook etc. Ao final, muitos só têm tempo para entender e se atualizar sobre o que se passa no mundo através  de  telejornais e acompanhar notícias pelas redes sociais. Então quase ninguém para pra pensar que as grandes emissoras de tv, rádio e jornal são empresas que visam lucro e tem interesses muito bem definidos. Também fica difícil imaginar que por trás das imagens que circulam pela internet há pessoas com propósitos articulados, tentando angariar seguidores. Por exemplo, a emissora de maior audiência no Brasil é acusada de sonegar mais de 600 milhões de reais. Não é preciso pensar muito para concluir que ela jamais noticiaria isso. 
Observando a atitude das pessoas que saíram às ruas no último domingo gritando impeachment, fico pensado será que elas sabem a quem estão servindo?

Muitos acreditam que toda essa mobilização surgiu espontaneamente entre o povo que está cansado de tanta corrupção, que não aguenta mais a situação que o Brasil se encontra. Acham que a população está apenas mostrando sua insatisfação e exercendo seu direito democrático de protestar. Porém, diversos veículos internacionais atribuem a grande manifestação a três grupos, que embora se declarem apartidários têm pontos muito definidos. Eis aqui uma excelente matéria feita pelo jornal espanhol El País. Nessas horas é que faz sentido o que meu pais dizia.

Curiosamente, os grandes veículos de comunicação brasileiros pouco disseram sobre a formação ou intenção desses grupos. Fazendo uma busca pela internet é possível encontrar denúncias de blogueiros e mídias alternativas sobre os líderes desses movimentos. Para quem não tem medo de ler coisas fora da grande mídia eis um texto resumindo o perfil dos administradores do "revoltados online".


Há algum tempo eu seguia a página "revoltados online" no facebook, acho que cheguei a compartilhar algumas de suas publicações. Deixei de "curtir" a página quando vi conteúdo  que disseminava ódio contra homossexuais e rebaixamento de mulheres. Naquela época a página não tinha tanta influência quanto hoje. Me lembro de ter visto durante as manifestações de 2013 uma foto na página deles de um grupo de poucas pessoas segurando uma faixa na praia que dizia " saímos da internet e estamos na rua, investiguem o líder da quadrilha petralha". Nem sei se foram eles que cunharam o termo "petralha ", mas foi através deles que tomei conhecimento desse trocadilho. Quando vi recentemente a proporção que chegou a influência desse grupo fiquei assustada. É difícil acreditar que tanta gente compartilhe das idéias fascistas e retrógradas desse grupo.

Outra coisa que me chamou atenção sobre esse grupo foi descobrir que eles transformaram o "movimento popular" em um negócio. Novamente nossa mídia não menciona esse detalhe sobre os líderes da "maior manifestação democrática do Brasil", mas o El País, mais uma vez, não deixou passar. Confira aqui. 

O grupo chamado "Movimento Brasil Livre" é mais recente do que o "revoltados on line", mas não menos polêmico. Há suspeitas de que eles recebem dinheiro de petroleiras internacionais. Além disso, apesar de se declararem apartidários em entrevistas concedidas recentemente disseram que iniciaram o movimento para fortalecer a campanha do Aécio. 

Não bastasse o oportunismo desses grupos, os  líderes de dois dos três movimentos que lideram os clamor pelo impeachment da presidente Dilma (que foi eleita democraticamente) pretendem entregar o pedido ao Eduardo Cunha.  Se a maior reivindicação dos manifestantes é o fim da corrupção, oras, então porque procurar como representante um político que, entre outras suspeitas, está sendo investigado na operação lava-jato?  Há, no mínimo, uma grande incoerência nessa história.  

Ainda que alguns achem que não são influenciados por esses grupos, pois não seguem suas páginas tampouco doam dinheiro para suas campanhas, não se enganem. Muitas das imagens e textos que chegam com uma enxurrada de informações para vocês através internet partem desses movimentos ou de grupos adjacentes. 

Ser contra a corrupção é ótimo, lutar por uma sociedade melhor é maravilhoso, mas é preciso abrir bem os olhos para não ser feito de massa de manobra. Eu não acredito que a maioria das pessoas que saiu às ruas no último domingo quer a volta da ditadura ou retrocesso social quanto aos direitos femininos e das minorias, prefiro pensar que, infelizmente, muitos estão enganados por esses manipuladores, que falam e agem como se fosse pelo povo, mas na verdade buscam benefício próprio. 

Para criar um senso crítico e ter opinião própria é preciso investir tempo em informação e conhecimento, é preciso refletir e questionar até mesmo o que parece óbvio. Enquanto isso não fizer parte de nossa rotina, continuaremos correndo o risco de sermos usados por aqueles que sabem muito bem o que estão fazendo. A intenção da maioria pode até ser boa, mas, como diz o ditado, de boa intenção o inferno tá cheio.  

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